Os Oito Ventos




Lucro e prejuízo, difamação e fama,
elogio e repreensão, sofrimento e alegria
são todos impermanentes; portanto,
por que deveriam ser causa de satisfação 
ou de insatisfação?


- do Vinaya Mahasanghika

"Os oito ventos são ventos, vêm e vão. Surgem como o clima. A situação amanhã será invariavelmente diferente da de hoje. Esta prática é um ótimo método para ajudar-nos a ver além das ilusões da individalidade egocêntrica."

(Hsing Yun)

Buscar a si mesmo




Em uma tardinha de primavera, trinta jovens foram passear em uma floresta, divertindo-se muito, sem dar conta de nada além disso. De repente, perceberam que todos os seus pertences tinham sumido. Surpresos, começaram a buscá-los por todo o bosque.
Depois se descobriu que tudo havia sido roubado por uma prostituta, que acompanhava o único homem solteiro do grupo. Vendo que todos estavam totalmente imersos na diversão, ela roubou todos os pacotes e sumiu.
Correndo de lá para cá na floresta em busca dessa mulher, os jovens encontraram um homem santo, que fazia zazen silenciosamente ao pé de uma árvore.

“Venerável, o senhor viu por acaso uma mulher que fugia?”
“Jovens, se a encontrassem, o que fariam?”

Os jovens que contaram o que havia acontecido. O santo homem disse:

“Meus jovens amigos, entre encontrar essa mulher e encontrar você s mesmos, o que acham que é mais importante?”

Os jovens não souberam responder a essa pergunta inesperada.
A mulher havia-os roubado justamente porque, distraídos pelo prazer, não estavam mais em si mesmos. E depois de terem descoberto o furto, tinham perdido ainda a cabeça, correndo de lá para cá sem saber o que fazer. Os jovens eram todos de boas famílias, até cultos. Ao caírem em si com a pergunta do velho mestre, responderam sem hesitação:

“Encontrar a nós mesmos é claro.”

Assim o velho lhes disse:

“Sentem-se. Vou-lhes ensinar sobre a verdade.”

Com clareza e paciência, explicou-lhes o verdadeiro Eu. Seu ensinamento como a chuva compassiva que molha a terra árida, penetrou o coração dos jovens, que não conheciam ainda os males do mundo. Assim ficaram muito felizes ao ouvirem suas palavras e se tornaram seus discípulos.
O mestre Dogen dizia: “Estudar o caminho de Buda é estudar a si mesmo.” Buda recomendava: “Devemos nos basear no Darma e em nós mesmos, não em outras coisas.” E ensinava:

O Eu
é o refúgio do Eu.
Deixando este lar, onde se apoiará
senão no próprio Eu?
Um Eu bem disciplinado
é o melhor, o incomparável abrigo.

(Dhammapada, verso 160)

Diz-se que “até o inferno pode ser comprado”. As pessoas pensam que o cerne da vida é o dinheiro, ou que é a glória que vale a pena perseguir. E se não tem nem um nem outro, então pensão que é o amor do marido, da mulher, dos filhos ou dos pais. Mas então o que será este “EU” que, segundo o ensinamento de Buda, é mais importante que o dinheiro, o sucesso ou a família?
Certamente não deve ser nosso pequeno “eu”, que apenas chora e se lamenta. O Eu “bem disciplinado” não é assim.
Mas como e de que maneira podemos disciplinar esse “Eu”?
Para mim, esta possibilidade ainda está muito distante.

Shundo Aoyama Roshi
Para Uma Pessoa Bonita

Primavera




"Procurando a primavera o dia todo,
não a encontrei.
Apoiando-me em meu bastão,
atravessei montanhas e montanhas,
e voltando para casa
segurei um galho de ameixeira.
Ali a encontrei: florescia em sua ponta".

(Dai Eki)

Para sair siga a correnteza




Todos os anos, quando dentre as folhas verdes surgem os primeiros frutos da ameixeira, lembro-me da frase: "a ameixeira amadureceu".
Há muito tempo, viveu na China um Mestre Zen chamado Daibai Hojo, cujo nomes significa "a grande ameixa de eterno Darma". Depois de estudar com Mestre Basô Doitsu, isolou-se nas montanhas distantes e por mais de trinta anos perseverou na prática do zazen. Ele usava um manto feito com folhas gigantes de lótus, que cresciam abundantemente em um brejo, e se alimentava apenas de sementes de pinheiro.
Certo dia, chegou à sua cabana de eremita um monge que havia se perdido, perguntando-lhe como sair da montanha e chegar à aldeia mais próxima. Daibai responde:
"Siga a correnteza e saia", ou seja, basta seguir o curso do rio para sair das montanhas.
A poetisa Wariko Kai escreveu o seguinte poema:

Há rochas
Há raízes de árvores
Chuá chuá chuá chuá
Só chuá chuá, água fluindo

Pensando de modo egocêntrico, chegaremos a desejar que as rochas e as raízes não existam. No entanto, se mudarmos o ponto de vista, poderemos perceber que as rochas e raízes  integram a paisagem de maneira deslumbrante. É justamente por sua causa que o rio se torna atraente. A visão das ondas nelas se fragmentando está além de qualquer descrição.
As rochas, raízes e respingos d'água são aspectos da grande natureza. A alegria, a raiva, a tristeza e todos os sentimentos humanos enfeitam a nossa vida. Percebendo isso, podemos viver serenamente, aceitando tudo o que acontece, e seguimos fluir como a água. Que simplesmente corre, acomodando-se a todas as formas, sem se apegar a nada.

Shundo Aoyama Rôshi
Para uma Pessoa Bonita
 

Qualidades do Amor




Quatro Pensamentos Imensuráveis
Thich Nhat Hanh

 
Amor, compaixão, alegria e equanimidade são a própria natureza Budha. São os quatro aspectos do verdadeiro amor dentro de nós, dentro das outras pessoas, e na verdade dentro de todas as coisas.

O primeiro aspecto do verdadeiro amor é Maitri, a intenção e capacidade de proporcionar alegria e felicidade. Para desenvolver essa capacidade, temos que praticar o enxergar e o ouvir em profundidade, para saber o que devemos fazer e não fazer para poder proporcionar felicidade aos outros.

Sem compreensão, o amor não é amor verdadeiro. É preciso observar em profundidade para poder enxergar e compreender as necessidades e aspirações, bem como o sofrimento daqueles que amamos. Nós todos precisamos de amor. Amor nos proporciona alegria e bem-estar. É natural como o ar que respiramos. Somos amados pelo ar, por isso precisamos de ar para ser felizes e nos sentir bem. Também somos amados pelas árvores, por isso necessitamos das árvores para nos manter saudáveis. Entretanto, para ser amados temos que amar, o que significa que precisamos compreender. Para que nosso amor possa se desenvolver, temos que escolher a ação ou a não-ação adequadas, de forma a proteger o ar, as árvores e aqueles que amamos.

"Amor" é uma linda palavra; seu verdadeiro sentido deveria ser restaurado. A palavra maitri tem o mesmo radical que a palavra mitra, que significa Amigo. No budismo, o sentido fundamental do amor é a Amizade. Todos nós temos dentro de nós as sementes do amor. Podemos desenvolver essa fonte maravilhosa de energia, nutrindo o amor incondicional, aquele que não espera nada em troca.

O segundo aspecto do verdadeiro amor é karuna, a intenção e a capacidade de soltar e transformar o sofrimento, aliviando a tristeza. Karuna é geralmente traduzida como "compaixão", mas isso não é totalmente correto. "Compaixão" é uma palavra composta de com ("junto com") e paixão ("sofrimento"). Mas nós não precisamos sofrer para remover o sofrimento de uma outra pessoa. Os médicos, por exemplo, são capazes de aliviar o sofrimento de seus pacientes sem passarem eles mesmos pela doença. Se sofrermos demasiado seremos esmagados, tornando-nos incapazes de ajudar seja quem for. Mesmo assim, até encontrar uma palavra melhor, usaremos "compaixão" como tradução para karuna.

Precisamos ter consciência do sofrimento que existe no mundo, mas sem perder nossa clareza, nossa calma e nossa força, para que possamos ajudar a transformar as situações. Um oceano de lágrimas não nos afogará desde que haja karuna. É por isso que o sorriso do Buda é possível.

O terceiro elemento que é parte do amor é mudita, a alegria. O verdadeiro amor sempre proporciona alegria, para nós e para as pessoas que amamos. Se nosso amor não trouxer alegria, não será um verdadeiro amor.

Drishta dharma sukha viharin significa "estar feliz no momento presente". Não nos lançamos ao futuro, porque sabemos que tudo o que importa está aqui, agora.

O quarto elemento do verdadeiro amor é upeksha, que significa equanimidade, desapego, não-discriminação, serenidade mental, ou a capacidade para deixar as coisas seguirem. Upa quer dizer "acima" e iksh significa "olhar". Você sobe uma montanha para poder olhar de cima, para a situação como um todo, sem se limitar a um lado ou a outro. Se o amor contiver apego, discriminação, preconceito ou desejo, não será um amor verdadeiro. As pessoas que não conhecem o budismo pensam que upeksha significa indiferença, mas a verdadeira equanimidade não é fria nem indiferente. Upeksha não significa que você ama, mas que ama de tal maneira que todos recebem amor, sem discriminação.

Upeksha traz a marca chamada samatajnana, "a sabedoria da igualdade", a capacidade de ver todos como iguais, de não discriminar entre o "eu" e os outros. Abandonamos toda a discriminação e o preconceito, removendo as barreiras entre nós e os outros. Enquanto enxergarmos a nós mesmos como aquele que ama, e o outro como aquele que é amado, enquanto dermos mais valor a nós mesmos do que aos outros, e nos considerarmos diferentes dos outros, não teremos atingido a verdadeira equanimidade. Temos que aprender a nos colocar no lugar da outra pessoa, tornando-nos unos com essa pessoa, se quisermos realmente compreender e amar o outro. Quando isso acontece, deixam de existir o "eu" e o "outro".

Sem upeksha, o amor se torna possessivo. Uma brisa de verão talvez seja refrescante, mas se tentarmos enlatar a brisa para tê-la ao nosso dispor, a brisa morrerá. Com as pessoas que amamos acontece a mesma coisa. A pessoa amada é como uma nuvem, uma brisa ou uma flor. Se você aprisioná-la em uma lata ela morrerá. Entretanto, muitas pessoas fazem exatamente isto. Tiram a liberdade de seus seres amados até o ponto onde a outra pessoa não consegue mais ser ela mesma. Vivem para satisfazer seus próprios desejos, usando o ser amado para ajudá-los a fazer isso. Isso não é amar, é destruir. Você diz que ama a pessoa, mas se não tentar entender seus anseios, necessidades e dificuldades, a pessoa viverá em uma prisão chamada de amor. O verdadeiro amor preserva a liberdade, e é isso que é upeksha.

Para que o amor seja verdadeiro, precisa conter compaixão, alegria e equanimidade. Para que a compaixão seja verdadeira, deve conter alegria, amor e equanimidade. Da mesma forma, a verdadeira equanimidade precisa conter amor, compaixão e alegria. Essa é a natureza interdependente dos Quatro Pensamentos Imensuráveis.

Mas é preciso que tenhamos a disciplina de contemplar tudo isso e praticar por nós mesmos os quatro aspectos do amor, trazendo o ensinamento para nossas próprias vidas e para as vidas daqueles que amamos.

Além do Ego



"Pode-se fazer tanto zazen que o chão venha a se quebrar,
mas se não formos além do ego, o zazen não serve para nada".

(Dogen Zenji)

Saltando de um poste de trinta metros



"Assim, o segredo é só dizer: 'Sim!', e saltar dali. 
Então, não há problema algum.
Isso significa ser você mesmo, sempre você, 
sem se ligar ao seu antigo eu".

Por que praticamos o zen, se já temos a natureza de Buda? Essa foi a grande questão sobre a qual Dogen Zenji se debruçou antes de ir à China se encontrar com Tendo Nyojo Zenji. Não se trata de um problema simples, afinal, o que quer dizer todos têm a natureza Buda?
O entendimento usual a esse respeito é de que a natureza Buda é algo inato dentro de nós, e por causa dessa natureza, fazemos alguma coisa. Se há uma planta, deve haver uma semente que estava ali antes de a planta existir. Por causa de sua natureza, algumas plantas são vermelhas  e outras amarelas. A maior parte de nós entende as coisas desse modo, mas esse não é o entendimento de Dogen. Esse tipo de natureza é uma idéia que se tem na mente. Por que iríamos praticar, se já temos a natureza Buda? Podemos achar que a natureza Buda aparecerá somente depois de praticarmos e eliminarmos vários desejos individualistas.
De acordo com Dogen Zenji, no entanto, esse tipo de compreensão se baseia na compreensão não clara das coisas. O seu entendimento é que a natureza Buda se apresenta somente quando as coisas aparecem. A natureza e a coisa em si são dois nomes da mesma realidade. Às vezes, dizemos a natureza Buda. Outras vezes, a chamamos de iluminação ou bodhi, Buda ou realização. Chamamos a natureza Buda não somente por esses nomes, mas às vezes por "maus desejos". Podemos nomeá-los maus desejos, mas, para Buda, também é natureza Buda.
Do mesmo jeito, as pessoas são capazes de pensas que os leigos e os sacerdotes são essencialmente diferentes, mas na realidade não há um individuo em particular que seja um sacerdote. Cada um de vocês poderia ser um sacerdote e eu poderia ser um leigo. Por causa de minha túnica, sou um sacerdote, e me comporto como tal. É tudo. Não há uma natureza inata que diferencie sacerdotes de leigos.
Seja o que for nomeado, trata-se de um outro nome para mesma realidade. Ainda que você nomeie algo como montanha ou rio, trata-se somente de um outro nome para a realidade. Ao perceber isso, não somos enganados por palavras como "natureza", "resultado", ou "coisas de Buda". Vemos as coisas com a mente clara. Entendemos a natureza Buda em curso.
"Maus desejos" é um outro nome para natureza Buda. Quando praticamos zazen, de onde vêm esses maus desejos? No zazen, não há lugar para maus desejos. Ainda assim, podemos acreditar que esses maus desejos deveriam ser eliminados. Por que? Você quer eliminar seus maus desejos, para revelar sua natureza Buda, mas onde vai jogá-los? Ao pensar que os maus desejos são algo que possa ser descartado, isso é herético. Maus desejos é só um nome que usamos, mas não é algo que posso ser separado e jogado fora.
Talvez vocês achem que estou brincando, mas não é nada disso. Não é coisa para se rir. Quando chegamos a esse ponto, é preciso entender nossa prática de shikantaza.
Há o famoso koan (no Livro da Serenidade) sobre um homem que sobe ao topo do poste, ele não é iluminado. Quando salta do alto do poste, talvez ele seja iluminado. A maneira pela qual entendemos esse koan é como entendemos nossa prática. A razão pela qual acreditamos que os maus desejos devem ser descartados é porque ficamos no alto do poste. Daí, temos um problema. Na verdade, não há topo do poste, pois o poste continua sempre crescendo; assim você não pode ficar parado ali. Mas  quando se tem alguma experiência relativa à iluminação, você talvez ache que possa descansar ali, observando as várias paisagens de cima do poste.
As coisas vão crescendo continuamente ou se transformando. Nada existe em sua própria cor ou forma. Ao pensar: "Aqui é o topo", você se verá diante do problema de saltar ou não saltar. Mas não se pode saltar dali. Isso já é um mal entendido. Não é possível. E mesmo que se tente parar no topo do poste, não se pode ficar ali, porque ele está crescendo continuamente.
Esse é o problema; portanto, esqueça tudo sobre ficar parado em cima do poste. Esquecer sobre o topo do poste é estar onde você está agora. Não estar desse lado ou do outro, não estar no passado ou no futuro, mas estar bem aqui. Você compreende? Isso é shitankaza.
Esqueça esse momento e cresça no seguinte. Esse é o único caminho. Por exemplo, quando o café da manhã está pronto, minha esposa golpeia uns bastões de madeira. se eu não atender, ela talvez continue a batê-los até eu ficar bem zangado. Se eu disser: Hai (sim), não haverá problema. Se eu não disser:"Sim!", ela continuará a me chamara porque não sabe se eu ouvi ou não.
Às vezes, ela pode pensar: "Ele ouviu, mas não responde". Quando não respondo, estou no topo do poste. Não salto de lá. Acredito ter algo de importante para fazer em cima do poste. "Você não me deve chamar. Você deve esperar". Ou posso pensar: "Isso é muito importante! Estou aqui no topo do poste! Você não percebeu isso?" Desse modo, ela vai continuar batendo os bastões. É assim que criamos os problemas.
Assim, o segredo é só dizer: Hai! (sim), e saltar dali. Então, não há problema algum. Isso significa ser você mesmo, no momento presente, sempre você, sem se prender ao seu antigo eu. Você esquece tudo sobre si mesmo e se sente renovado. É um ser novo, e antes que esse novo eu se torne um eu antigo, você diz: "Sim!", e caminha em direção à cozinha, para o café da manhã. Desse modo, a questão de cada momento é esquecer a questão e expandir sua prática.
Como Dogen Zenji diz: "Estudar o budismo é estudar a si mesmo. Estudar a si mesmo é esquecer de você a cada momento". Então, tudo virá e o ajudará. Tudo assegurará sua iluminação. Ao dizer "Sim!" minha esposa vai garantir minha iluminação. "Você é um bom menino".  Mas se eu me prender ao fato de que "Sou um bom menino", criarei outro problema.
Assim, em cada momento, concentre-se e seja você mesmo. E nessa questão, onde está a natureza Buda? A natureza Buda é quando você diz:"Sim!". Aquele "Sim!" é a própria natureza Buda. A natureza Buda que você acredita já está dentro de si não é natureza Buda. Quando você se torna você realmente ou quando se coloca de lado e diz: "Sim!", essa é a natureza Buda.
Essa natureza Buda não é algo que aparecerá no futuro, mas lago que já está presente. Se você só tiver uma idéia sobre a natureza Buda, isso não significa nada. É um bolo de arroz pintado, não um verdadeiro. Se você quiser ver um bolo de arroz verdadeiro, deverá vê-lo quando estiver aqui. Assim, o propósito de nossa prática é somente sermos autênticos. Quando você se torna você mesmo, terá a iluminação verdadeira. Se tentar se ater ao que realizou anteriormente, isso não é iluminação verdadeira.
Às vezes, você irá rir de si mesmo quando fizer uma prática errada. "O que estou fazendo?". Quando entender como a prática vai para frente e para trás, você se apreciará. A compaixão ou o amor verdadeiro, o encorajamento ou a coragem verdadeira surgirão daí, e você será uma pessoa muito bondosa.
Nós dizemos: "Uma prática abrange tudo", o que significa que a prática inclui tantas virtudes quantas são as ondas do mar. Quando se pratica desse modo, você se torna uma rocha, uma árvore ou um oceano. Você abrange tudo. A prática contínua é necessária, por isso, não descanse. O modo de continuar é ter uma mente generosa, mente grande, mente branda - ser flexível, sem se apegar a nada. Praticando desse modo, não há necessidade de sentir medo de nada ou ignorar nada. Essa é a dureza do Caminho. Quando não temos nada, somo imperturbáveis.
Estar completamente concentrado no que se faz, isso é simplicidade. E a beleza da prática é que ela pode ser ampliada infinitamente. Não se pode dizer que nosso caminho seja bem fácil ou muito difícil. Não é nada difícil. Todo mundo consegue, mas continuar seguindo-o é bastante árduo.
Vocês não acham?
Muito obrigado a todos.               

Shunryu Suzuki Rôshi
Nem sempre é assim

No lugar do outro




Uma senhora, que vinha com freqüência e grande alegria praticar goeika * em nosso templo, um dia faltou. Na reunião seguinte perguntei a causa de sua ausência e ela respondeu:

"Ah, sensei, estava toda feliz para sair quando chegou uma visita e me perguntou: 'Está de saída?' Se eu dissesse que sim, ela iria embora, não iria? Teve todo trabalho de vir, seria pena que voltasse. Então eu lhe disse: 'Acabei de chegar. Você veio no momento certo. Entre, por favor, fique à vontade'. E por isso não pude vir ao templo".

Fiquei comovida e abaixei a cabeça. Se fosse comigo, o que teria feito?

"Ah, desculpe, você veio até aqui, mas estou de saída. Ou então:

"Estava saindo, mas, por favor, entre. Se me atrasar um pouco não tem importância", ou qualquer coisa do gênero. Sempre tendo eu mesma como centro.

A consideração daquela senhora pelos outro me serviu de alerta e me fez abaixar respeitosamente a cabeça.

* Goeika - Cantar ensinamentos budistas em forma de poesia, geralmente em coro, acompanhado de pequenos sinos, usado em cerimônias religiosas solenes. 

Shundo Aoyama Rôshi
Para uma Pessoa Bonita

Mutuca



Estava em meu quarto conversando com uma mulher que me dizia encontrar-se em uma situação difícil, que pensava até em se suicidar, quando entrou de repente uma mutuca. Tentando sair, a mutuca bateu violentamente contra a janela e caiu por terra, atordoada. Depois de um certo tempo, retomou o vôo e continuou a se bater repetidamente contra o mesmo ponto, tentando sempre sair.

Lembrei-me então do Mestre Zen Fugai e contei a ela a seguinte história:

Quando o Mestre morava em um templo quase em ruínas, em Osaka, recebeu a visita de um milionário que veio lhe falar de seus problemas. Nesse momento, uma mutuca entrou e começou a se bater contra a janela. O Mestre observava atentamente a mutuca, não parecendo prestar atenção às dificuldades do homem rico.

Impaciente, o visitante falou com ironia: “Parece que o senhor gosta muitíssimo de mutucas”.

O Mestre Zen respondeu:

“Desculpe, sinto muito, mas estou com pena da mutuca. Este templo é conhecido por seu estado de ruína, com buracos por todo lado. Embora esteja livre para sair voando por qualquer fresta, esta mutuca continua batendo a cabeça sempre no mesmo lugar, como se fosse a única saída. Se continuar assim, acabará morrendo. Mas não é só a mutuca que causa pena, não é?”

Shundo Aoyama Rôshi
Para uma Pessoa Bonita