Coragem para descobrir


Às vezes penso que não queremos fazer perguntas verdadeiras para saber quem somos, por medo de descobrir que existe uma outra realidade diferente desta.
O que essa descoberta faria da maneira como vivemos até agora? Como nossos colegas e amigos reagiriam ao sabemos agora que? Que faríamos com esse novo saber?
Com o conhecimento vem uma responsabilidade. Às vezes, mesmo quando a porta da cela se escancara, O Prisioneiro prefere não sair.


Sogyal Rinpoche 
Extraído do Blog: SamsaraBlog

Essência

 

Na China, havia um monge Zen, chamado mestre Dori, que, por fazer zazen empoleirado num pinheiro , fora alcunhado de mestre Ninho de Passarinho.
Um poeta muito célebre, Sakuraten, foi visitá-lo e, ao vê-lo fazer zazen, disse-lhe:
"Tomai cuidado, que isso é perigoso; podereis, um dia, cair do pinheiro!"
"De maneira nenhuma," respondeu mestre Dori. "Vós é que correis perigo de um dia cair."
Sakuraten refletiu. "Com efeito, vivo dominado por paixão, é como brincar com o raio". E perguntou ao mestre Zen:
"Qual é a verdadeira essência do budismo?"
Mestre Dori respondeu:
"Não façais nada violento, praticai somente o aquilo que é justo e equilibrado."
"Mas até uma criança de três anos sabe disso!" exclamou o poeta.
"Sim, mas é uma coisa difícil de ser praticada até mesmo por um velho de oitenta anos..." completou o mestre.

A Essência e os Fenômenos se Interpenetram


Céu e terra têm a mesma raiz.
Tudo é Um.
A forma visível das coisas não é diferente do vazio,
que é sua natureza essencial.
Um "satori" fraco é aquele em que o mundo do vazio
é ainda visto como diferente do mundo da forma.
Sua mútua interpenetração ainda não foi percebida.
A mente é a verdadeira natureza das coisas.
Buda é Mente.
A Mente não está no interior, nem no exterior,
nem entre os dois.
Não é o Ser ou o Não-Ser, o nada ou o não-nada.
Portanto é chamada a Mente sem morada.
A Mente transcende todas as formas,
mas é inseparável delas.
Qual é a substância desse Buda ou Natureza-Budha?
No Budismo se chama "Shunya" (Vazio).
Ora, o "Shunya" não é apenas o esvaziamento.
É aquilo que está vivendo, dinâmico, sem volume,
não fixo, para além da individualidade ou personalidade.
A matriz de todo o fenômeno.



Temos aqui o princípio fundamental, a Doutrina, ou a Filosofia Budista. Com a experiência da iluminação, que é a fonte de toda doutrina budista, percebemos o mundo de "shunyata". Este mundo não fixo, carente de conteúdo, para além da realidade ou da personalidade.
De acordo com isso, a verdadeira substância das coisas, isto é, sua Natureza-Budha ou "Dharma", é inconcebível e inescrutável. Uma vez que tudo que é imaginável compartilha da forma e da cor, seja o que for que se imagine ser a Natureza-Buda deverá necessariamente ser irreal.
A mente do ego, e a natureza da mente são dois lados da mesma Realidade. Quando se compreende a verdadeira natureza do Universo sabe-se que não existe realidade nem objetiva nem subjetiva. Nesse mesmo instante estruturas "cármicas" que carregariam você ao mais profundo dos infernos são apagadas. Esta verdadeira natureza é a raiz e substância de todo ser sensível. O homem custa a se convencer que sua própria mente é a Grandiosa Integridade compreendida por Budha, por isso se apega as formas superficiais e olha para a verdade fora de sua mente, lutando para ser um Budha, através de práticas ascéticas. O que busca e não encontra ainda, está amarrado por suas ilusões dos dois mundos: um da perfeição que esta além, da paz sem luta, de alegria sem fim; outro o mundo do cotidiano do sofrimento e do mal, sem sentido, com o qual vale muito pouco a pena se relacionar.
Secretamente ele deseja o primeiro, mesmo porque abertamente despreza o último. Entretanto, hesita em mergulhar no fecundo Vazio, no abismo de sua própria Natureza-Original, porque, na sua mais profunda inconsciência, receia abandonar seu mundo familiar de dualismo pelo mundo desconhecido da não-dualidade, de cuja realidade ainda duvida. Neste mundo há incontáveis objetos e cada um é, respectivamente, o mundo inteiro. Quando alguém chega a compreender esse fato, percebe que cada objeto, cada ser vivo é o todo, mesmo que ele próprio não compreenda.

Se compreendermos o corpo de Budha,
Não existe mais nada.
Fonte original,
Nossa própria natureza
É o puro e verdadeiro Budha.

Esse verso do Sutra Shodoka, "O Canto do Satori Imediato", de Yoka Daïshi, significa que, se compreendemos a realidade, se obtivermos a realização completa, nosso corpo tornar-se-á Budha. Tornar-se Budha significa receber e apreender a vida cósmica. Temos de compreender que nosso corpo e o cosmos não estão separados; eles formam uma unidade. A essência do Sutra do Prajna Paramita é:

Os fenômenos não são diferentes do vazio,o vazio não é diferente dos fenômenos.

Taisen Deshimaru Roshi
Shodoka - O Canto do Satori Imediato.

Aru ga mama


Haru wa hana
As flores na primavera

Natsu hototogisu
Cucos no verão

Aki wa Tsuki
A lua no outono

Fuyu yuki saete suzushi karikeri
Neve gelada no inverno

(Dogen Zenji)


"Verdade é o que nunca foi escondido. Se você tiver olho, dá para ver à sua frente, está tudo manifestado."

(Tokuda Igarashi Roshi)

Olhar Espelho


"Quando usamos todo o corpo-mente para olhar formas e quando usamos todo o corpo-mente para ouvir os sons, apesar de os estarmos sentido diretamente, não é como reflexo do espelho de uma imagem e não é como a água e a Lua. Enquanto estamos experimentando um lado, estamos cegos para o outro lado."

(Dogen Zenji - Shobogenzo - Genjo Koan)

Quando dizemos o Buddha, o Dharma e a Sangha, estes três tesouros, isso parece na nossa mente alguma coisa distante, um lugar muito alto.Mas isto é realmente aqui e agora. Não é um lugar distante porque tudo o que nós temos é apenas este momento.Este momento nunca vai voltar novamente nesta eternidade deste inteiro universo.Cada momento é apenas um momento. Não pode ser comparado com qualquer outro momento.Os seres humanos tem tido muito progresso, muito. Assim nós temos uma maneira de comparar com ontem, com o ano passado, assim nós podemos pensar sobre o passado, pensar sobre o futuro e comparar um com o outro e assim esta nossa cultura de progresso, este progresso que vem aqui e agora. Então a atividade mental é muito boa também para os seres humanos e por causa disso nós esquecemos que tudo o que nós temos é este aqui agora. Não pode ser comparado com nenhum outro momento.Assim este momento é o momento da mais alta iluminação.Por que este momento é iluminação? Porque a cada momento nós somos um com todo o universo. Quando eu disse durante o primeiro zazen: um espelho contém todo o universo a cada momento, é um em todo o universo a cada momento, sem nenhuma perda, sem nenhuma preferência, sejam um com todo o universo, sejam um com este inteiro universo, recebam sem apego e deixem ir sem apego.Mas se em nossas mentes nós temos apego, comparamos com as nossas memórias e com os nossos pensamentos acerca do futuro então ao mesmo tempo a nossa atividade mental é uma ferramenta útil, mas ao mesmo tempo cria doença. É fácil de entender que os nossos olhos são espelhos sem identidade própria, sem preferência, sem apego; a mesma coisa com os ouvidos que são espelhos para sons, sem identidade, sem apego, sem preferência.Apenas sejam um com todo o universo. Nosso nariz é um espelho para os cheiros, sem identidade, sem apego, sem preferências e a língua é o espelho para os gostos. Sejam um com todo o universo, sem apego, sem preferências.Nosso corpo e nossa pele também são espelhos. Recebam o frio e o calor, sem apego, sem preferência. Mas parece que a nossa mente tem um self, uma identidade, porque a mente tem apego. Na nossa mente nós temos uma lua imaginária dentro de uma gota de orvalho. Quando a lua está no céu ela sempre está dentro da gota de orvalho, assim parece que a lua existe dentro de uma gota de orvalho, dentro da água, dentro do oceano. Assim realmente parece que a lua existe dentro da água. Assim a nossa mente cria ambas as duas coisas e a doença.

Palestra de Doshô Saikawa Roshi
Tradução Monge Genshô
Extraido do Blog Silêncio!

O Dedo que Aponta a Lua


Eles não conseguem nada ao tomar a Lua
pelo dedo que aponta.
Eles misturam e confundem voluntariamente
o mundo objetivo e o mundo subjetivo.
O homem que abrange todos os aspectos
é Buda.
Então ele pode ser chamado
pelo nome de Kanjizai (Avalokitesvara).

(Yoka Daishi - Shodoka)



Um amigo lhe diz: "Olhe que linda Lua!" Mas você olha apenas para o dedo que aponta para a Lua e fica querendo saber o que representa a Lua. Você procura a verdade somente nesse dedo e, assim, continua no erro. Alguns procuram a verdade somente nos livros, nos textos ou nos sutras, mas não podem encontrá-la, porque ficam amarrados à letra, às frases e analisam demais. Não podem ter uma visão sintética das coisas e criam para eles próprios suas ilusões e limites através do intelecto. Criam categorias e não vão além dessa sabedoria limitada, não atingindo, portanto, a sabedoria cósmica, universal.
Descartes criou categorias a partir do seu cérebro intelectual, frontal, categorias que influenciaram a ciência até a nossa época, bem como a psicologia. Mas sua teoria continua incompleta. A verdadeira sabedoria também é criada a partir do hipotálamo, do tálamo, do corpo inteiro.
Eles misturam e confundem os objetos dos sentidos. Daí se criam as ilusões e os conceitos limitados. A verdade não se encontra apenas nessas categorias incompletas; da mesma forma, não devemos olhar apenas para um unico aspecto das coisas, um unico lado, limitado pela nossa própria consciência, pelo nosso cérebro frontal. Nós temos de considerar o ponto de vista do cosmo, da verdade absoluta, da sabedoria cosmica; despertamo-nos para hannya, a sabedoria do Buda.
Kanjizai: Kan significa visão e Jizai, verdadeira liberdade.
Este poema difícil explica o que significa ignorância e infantilidade. Se você mostrar a Lua no céu apontando-a com o dedo, as pessoas pouco inteligentes não verão a verdaddeira Lua, mas tomarão o seu dedo por Lua. Isso se aplica aos intelectuais, pois não se pode compreender verdadeiramente pelos livros. A ciência e o conhecimento agem como o dedo que apontam para a Lua. Nos templos Zen, a biblioteca é chamada shigetsu, "o dedo que mostra a Lua".
Temos que encontrar a verdade além dos conveitos e das categorias, temos de ver a verdadeira Lua; a verdade não se encontra no vazio do punho nem na ponta do dedo.
O que é o sujeito, o que é o objeto?
Por exemplo: o olho e a cor, o nariz e o odor, a orelha e o som, os sentidos e as percepções que variam segundo o meio que nos levam a emitir categorias, conceitos. Esses conceitos não devem nos induzir ao erro e limitar nossas percepções.
É preciso saber abranger tudo, todos os aspectos.
O verdadeiro Buda, a verdadeira sabedoria, o verdadeiro amor universal consiste em não ver apenas um unico aspecto das coisas, um unico lado, uma unica forma.
A liberdade está em toda a parte: Kanjizai.

Taisen Deshimaru Roshi
Shodoka - O Canto do Satori Imediato.